sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Em encontro, assistentes sociais repudiam concordata

Leia a seguir a íntegra da moção de repúdio contra a concordata e a lei das religiões:

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MOÇÃO DE REPÚDIO


Nós assistentes sociais, delegados (as), observadores(as) e convidados (as), reunidos (as) no 38° Encontro CFESS/ CRESS realizado de 06 a 09 de setembro de 2009 em Campo Grande / MS, repudiam as autoridades que favoreceram a aprovação do acordo Brasil-Vaticano e a lei geral das religiões que fere o Estado laico.
Saliente-se que a referida lei foi uma explícita negociata para apaziguar os conflitos em torno do interesse dos grupos religiosos, sendo que não é esta a alternativa para garantia da liberdade religiosa.
Por trás destas negociações estão interesses financeiros e político- ideológicos, como por exemplo: isenção fiscal das escolas destas instituições, garantia de acesso a pacientes e familiares nos hospitais, retorno do ensino religioso nas escolas públicas, etc.
Portanto, ao invés das autoridades garantirem recursos públicos, garantem com os instrumentos citados, o financiamento das instituições religiosas numa evidente aliança com as classes dominantes.


Campo Grande- MS, 09 de setembro de 2009.
Conselho Federal de Serviço Social (CFESS)
Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS)


Aprovada na Plenária Final do 38º. Encontro Nacional CFESS/ CRESS, realizado de 06 a 09 de setembro de 2009 em Campo Grande-MS.

Revista Política Externa publica artigo de Roseli Fischmann

Uma aliança contra a República, a Constituição e a cidadania

Roseli Fischmann

O acordo referente ao estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil, assinado no Vaticano em 13 de novembro de 2008 e enviado ao Congresso Nacional para ter sua ratifi - cação examinada, é inconstitucional e se confronta com a tradição republicana do Brasil ao romper com os princípios mais básicos de cidadania, justiça, liberdade e igualdade. Isso porque ele viola o artigo 19 da Constituição de 1988, convertendo o sistema de separação, estabelecido por aquele artigo em conexão com o artigo 5, em um sistema de união entre Igreja e Estado.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Conferência de Igualdade Racial pede fim de ensino confessional

A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) publicou as resoluções da II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Nas palavras do ministro Edson Santos, "Os resultados dos painéis, das discussões dos grupos de trabalho e os documentos apresentados estão agora disponíveis como instrumentos para a implantação, monitoramento e controle social da gestão pública das políticas de promoção da igualdade racial." As propostas são divididas em áreas, e a área de "educação e religiosidade" se resume à proposta 35:

"Garantir a laicidade no ambiente escolar proibindo as práticas e proselitismo de doutrinação religiosa, tanto pela presença de ícones, quanto mensagens ou aulas de quaisquer denominações religiosas, nas unidades escolares públicas, garantindo assim o princípio constitucional da laicidade do Estado brasileiro, devendo a educação religiosa ficar a cargo dos templos religiosos e das famílias, de acordo com suas próprias convicções."

Em outras palavras, as posições da Conferência são contrárias às estabelecidas pela concordata.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Conferência de Educação aprova moção contra concordata

Esta é a íntegra da moção aprovada pelos participantes da etapa municipal de São Paulo da Conferência Nacional de Eduacção - CONAE:

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Moção de Apoio a laicidade do ensino público e pela rejeição da Concordata entre Brasil e Vaticano no Congresso Nacional

 Considerando a histórica reivindicação dos movimentos sociais do campo educacional e os pressupostos presentes no documento referência da CONAE – 2010 (parágrafos 113 e 124) em relação a garantia da efetiva laicidade como um dos princípios fundamentais da democratização e qualidade social da educação pública e o respeito a liberdade de crença, culto e opinião nos espaços públicos nós, participantes da etapa municipal São Paulo da CONAE 2010 manifestamo-nos contrários a assinatura da Concordata entre o Brasil e a Santa Sé.  


Somos contrários à assinatura da Concordata entre o Brasil e o Vaticano por violar o princípio constitucional da laicidade do Estado e por estabelecer o ensino confessional “católico e de outras confissões” no ensino público (artigo 11 da Concordata) e exigir sua rejeição pelo Congresso Nacional.

Em defesa da escola pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade social para todos e todas!

Participantes da etapa municipal – São Paulo- da CONAE 2010
Agosto de 2009  

Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos sobre ensino religioso e a concordata

‘DOUTRINAÇÃO RELIGIOSA’ 
Daniel Sottomaior, da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, condena previsão de ensino religioso em projetos debatidos no Senado. “Se chama ‘doutrinação religiosa’”, diz. Deputado Ivan Valente salienta: “Estado tem que garantir liberdade de crer e não crer”. Já João Ricardo dos Santos, da AMB, avalia: “o dispositivo gera certa exigibilidade”.
23/09/2009 - Nacional (Rede) - REPÓRTER BRASIL - LÚCIO HAESER E AMÉRICA MELO

CRÍTICA A ACORDO COM SANTA SÉ 
Daniel Sottomaior, da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos, critica acordo entre Brasil e Santa Sé, em discussão no Senado. “O que o documento traz de novidade é o fato de que o Estado brasileiro fica obrigado a acolher sentenças da sede Roma em matéria matrimonial”, diz. Já Dom Dimas Barbosa, da CNBB, defende acerto.
22/09/2009 - Nacional (Rede) - REPÓRTER BRASIL - LÚCIO HAESER E AMÉRICA MELO

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Artigo no Observatório da Imprensa denuncia concordata e lei das religiões

O silêncio é sagrado
Por Natasha Avital Ferro de Oliveira em 22/9/2009


Pior do que o silêncio da mídia sobre a aprovação pela Câmara da concordata celebrada entre Brasil e Vaticano, contrariando os desejos da própria população católica (que, consultada em pesquisa, foi em maioria não favorável à sua existência), foi o silêncio sobre o acordo que possibilitou tal aprovação, feito por baixo dos panos, escondido dos olhos do povo, como se os parlamentares não estivessem lá para representá-lo. Com exceção de artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, o projeto de lei usado pelo lobby evangélico como moeda de troca para sua votação favorável à Concordata continua sendo assunto que diz respeito apenas aos que participaram da manobra.

Alguns outros poucos órgãos informaram que a Câmara "regulamentou a liberdade religiosa", no máximo mencionando que o projeto foi apresentado como resposta á concordata católica. O portal Terra teve, é verdade, a imparcialidade de informar também que a Associação dos Magistrados Brasileiros opõe-se a ambos os projetos, e não descarta a possibilidade da impetração de Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal caso tais projetos sejam aprovados. O que não se viu foi qualquer palavra sobre a mudança abrupta de atitude dos deputados, que aparentemente tinham oposições à concordata católica não porque ela ferisse o imperativo constitucional de separação entre Igreja e Estado, mas porque os benefícios outorgados aos católicos não se estendiam aos outros credos.

A mídia, tão afeita a cobrir o último escândalo político, não deu atenção às intenções do deputado Ivan Valente (PSOL) de contestar todo o processo de aprovação do projeto de Lei das Religiões, coalhado de acontecimentos suspeitos, como a afirmação do presidente da sessão de que houve um acordo unânime para que se colocasse o projeto em regime de urgência (afirmação desmentida por Valente, que diz não ter sido sequer consultado sobre o assunto) e a manobra dos parlamentares para que o projeto passasse por pelo menos uma comissão (no caso, a de Trabalho, Administração e Serviço Público) com poderes para enviá-la ao plenário em regime de urgência, diminuindo a possibilidade de discussões e emendas.

Concessão de privilégios

Toda a mobilização contrária tem sido feita através da sociedade civil (aquela que conseguiu se informar sobre o fato, bem entendido), através de comunidades no Orkut como Contra o Preconceito aos Ateus, Neo-Ateus e websites como http://leidasreligioes.divulgue.info/ onde é possível, com um clique, enviar e-mails de protesto aos senadores. O grosso da população continua sem saber que a mesma ala parlamentar que, no dia da votação, publicou anúncios na mídia impressa posicionando-se contra o acordo com o Vaticano, era a mesma cujos membros proferiam no dia da aprovação frases como "Está tudo combinado. Nós aprovamos o deles e eles aprovam o nosso." E os discursos inflamados a respeito de laicidade do Estado ficaram no passado, afinal só faz mal desrespeitar um princípio constitucional quando este desrespeito não convém aos interesses do partido.

O Projeto de Lei 5.598/2009, de autoria do Deputado George Hilton, aprovado a toque de caixa (registradora, como bem frisou o deputado Chico Alencar) na Câmara, e que ganhou no Senado o número 160/2009, é basicamente uma cópia do texto da Concordata, com alguns artigos a mais. A ementa do projeto engana: diz ela que ele "dispõe sobre as Garantias e Direitos Fundamentais ao Livre Exercício da Crença e dos Cultos Religiosos, estabelecidos nos incisos VI, VII e VIII do art. 5º e no § 1º do art. 210 da Constituição da República Federativa do Brasil"

No entanto, com exceção de um artigo regulamentando a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares, nada se observa no texto da lei a respeito do livre exercício de crença e de culto que já não esteja previsto no ordenamento jurídico brasileiro, ou que necessite de futura regulamentação. Todos os artigos que tratam do assunto são redundantes; e os que introduzem disposições realmente novas ao Direito pátrio tratam não da proteção dos direitos fundamentais de liberdade religiosa, e sim, da concessão de privilégios, em sua maioria inconstitucionais, às organizações religiosas.

Dispositivo lesivo

Entre os artigos mais preocupantes para os que prezam pela separação entre Estado e Igreja, encontra-se o 7º, que dispõe:

"A destinação de espaços para fins religiosos poderá ser prevista nos instrumentos de planejamento urbano a ser estabelecido no respectivo Plano Diretor."

A redação é menos pior do que a do projeto original, que determinava que o Estado se empenharia na destinação de espaços para cultos religiosos, devendo prever tais áreas em seu Plano Diretor. No entanto, dar a possibilidade aos Municípios para que reservem áreas em seu Plano Diretor destinadas ao estabelecimento de locais de culto já é o suficiente para configurar violação ao Art. 19, I e III, da Constituição Federal, que determinam:

"19 – É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si."

A inconstitucionalidade da disposição, portanto, é flagrante: ou alguém tem dúvidas de que reservar áreas municipais (bens públicos, portanto) para entidades religiosas é manter com elas relação de aliança? A lesividade do dispositivo salta mais ainda aos olhos quando se pensa no número de organizações religiosas presentes na mesma cidade. Não é nem mesmo necessário incluir na conta aqueles grupos minoritários que não se encontram presentes em todos os municípios: hindus, muçulmanos, wiccanos e mesmo judeus. Pode-se presumir que em todo Município se encontrará ao menos representantes da igreja católica romana, da umbanda e candomblé, do espiritismo kardecista, dos Testemunhas de Jeová, e das diversas denominações evangélicas. Ainda que se ignore que existem diferenças radicais entre alguns grupos protestantes e se considere a todos como uma coisa só, o Município, se decidir reservar áreas para locais de culto, terá que fazê-lo para, no mínimo, seis diferentes grupos.

Inviolabilidade do direito à igualdade

Ou será que haverá a prerrogativa de reservar áreas somente para alguns e não para outros? Instituir-se-ão "cotas" para tais espaços, proporcionais ao número de membros pertencentes àquela religião? Ao reservar áreas, o Município automaticamente determina que o espaço daquele culto será somente aquele, e impede o estabelecimento de outros templos em outros locais, configurando dupla inconstitucionalidade? Ou, além do privilégio de ter áreas a eles destinadas pelo Poder Público, as organizações religiosas ainda poderão adquirir terrenos com recursos próprios? O artigo deve ser lido tendo em mente o fato de que "nenhum edifício, dependência ou objeto afeto aos cultos religiosos, observada a função social da propriedade e a legislação própria, pode ser demolido, ocupado, penhorado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por utilidade pública, ou por interesse social, na forma da lei".

À primeira vista, nada de preocupante. Exceto quando se percebe que o artigo não contempla a necessidade pública, uma das hipóteses que autorizam a desapropriação pelo Estado, e que não deixa margem alguma para a penhora para o pagamento de dívidas, mesmo as de natureza fiscal ou alimentar. Há de se perguntar o que autoriza a instituição desta distinção entre brasileiros, colocando os responsáveis por entidades religiosas em posição privilegiada em relação aos demais cidadãos, a ponto de vilipendiar de uma tacada só três dispositivos constitucionais: o Art. 19, III (que proíbe a criação de distinções ou preferências entre brasileiros), o Art. 5º, caput (que garante a todos os brasileiros a inviolabilidade do direito à igualdade), e seu inciso XXIII (que diz que a propriedade atenderá a sua função social).

"Violações, desrespeitos ou usos indevidos"

O Art. 18, ao estabelecer que "a violação à liberdade de crença e a proteção aos locais de culto e suas liturgias sujeitam o infrator ás sanções previstas no Código Penal, além de respectiva responsabilização civil pelos danos provocados", preocupa não apenas aqueles dados ao raciocínio crítico, mas qualquer um com senso de humor, quando lido em conjunto com o Artigo 6º, que também é suficiente para gerar preocupações:

"Ficam asseguradas as medidas necessárias para a proteção dos lugares de culto das instituições religiosas e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos culturais, tanto no interior dos templos como nas celebrações externas, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo."

Esqueçamos por um momento que os locais de culto e suas liturgias já encontram-se protegidos pela legislação penal contra qualquer forma de violação e que há que se avaliar a conveniência de, em um país com a segurança pública em crise, utilizar aparato estatal para proteger instituições que raramente (poder-se-ia dizer mesmo quase nunca) sofrem ataques.

O Art. 6 é importante pois, se lido em conjunto com o Art. 18, deixa claro que a "violação à liberdade de crença e aos locais de culto e liturgias" a que este último se refere são as "violações, desrespeitos ou usos indevidos" de "liturgias, símbolos, imagens e objetos culturais tanto no interior dos templos como nas celebrações externas". No entanto, axioma conhecido no mundo jurídico declara que a lei não contém expressões inúteis. As condutas previstas no Art. 6º já são tipificadas como criminosas e a reparação civil por danos sofridos é direito de qualquer pessoa, física ou jurídica.

"Templo é dinheiro"

Está aberta a porta, portanto, para que "pitbulls de Deus" utilizem o Art. 18 independentemente para classificar como "violação à liberdade de crença e aos locais de culto e liturgias" toda e qualquer crítica a sua religião. Precedentes existem, como o incentivo da Igreja Universal para que fiéis ajuizassem, em 2008, ações judiciais (muitas com iniciais idênticas, o que comprova que foram entregues prontas a seus autores) contra um jornal paulistano após reportagem do periódico sobre o crescimento financeiro da Igreja...ou o processo criminal contra o blogueiro Alberto Murray Neto, acusado de vilipêndio a objeto de culto simplesmente por ter postado na internet uma imagem do Cristo Redentor usando um colete à prova de balas, em referência à violência urbana que assola o Rio de Janeiro.

São tantos artigos redundantes, explicitando o que já está previsto na Constituição, que tem-se a impressão de que quase todo o resto é uma cortina de fumaça para a aprovação do Art. 14, aquele que determina que:

"Às pessoas jurídicas eclesiásticas e religiosas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição Federal."

O problema é que, se agir "em conformidade com a Constituição Federal", o legislador está autorizado apenas a exercer a imunidade tributária em relação a templos. A definição de templo tem sido esticada para englobar muita coisa, de emissoras de rádio a aquecedores para a residência de missionários estrangeiros. O que a lei tenta fazer é, com uma canetada, resolver algo que os tributaristas discutem até hoje: a extensão da imunidade tributária. Em um país em que Deus é mais um produto movimentando um mercado que vai de CDs a chaveiros, passando por emissoras de televisão, rádio e jornais, não é de surpreender que, com poucas e honrosas exceções, o PL 160/2009 e seu Artigo 14 tenham sido aprovados na Câmara com uma celeridade raramente vista. Afinal, citando ditado popular inclusive mencionado pelos contrários ao projeto na Câmara, "templo é dinheiro".

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Movimento Educacionista Brasileiro contra a concordata

Leia a íntegra do ofício do Movimento Educacionista ao Senado, pedindo a rejeição da concordata e da chamada "lei das religiões".

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Evangélicos do Piauí protestam contra concordata


Os evangélicos do Piauí estão reunindo assinaturas dos fieis para enviar ao Congresso Federal se posicionando contra a aprovação de um acordo entre o Vaticano e o Brasil que cria o Estatuto Jurídico da Igreja Católica no país.

O acordo entre Brasil e Vaticano foi assinado em 2008 e estabelece normas, entre outros assuntos, sobre o ensino religioso, o casamento, a imunidade tributária para as entidades eclesiásticas, a prestação de assistência espiritual em presídios e hospitais, a garantia do sigilo de ofício dos sacerdotes, visto para estrangeiros que venham ao Brasil realizar atividade pastoral.

Para o presidente da Associação Evangélica Piauiense, Pastor Robson Marcelo da Silva, o acordo fere o Estado laico, pois é inconstitucional e diante da situação os representantes das Igrejas Evangélicas do Piauí e seus fieis estão através de um documento protestando e pedindo aos deputados federais e senadores evangélicos para que votem contra esse acordo.

Durante entrevista ao tvcanal13.com o presidente também afirmou que os evangélicos irão se manifestar contrários ao envio de dinheiro do governo do Estado para a construção da Capela de Santa Cruz dos Milagres.

“ Isso está errado, o governo do Estado deve ser laico, já conseguimos através da audiência pública que aconteceu no Ministério Público Estadual que todas as Igrejas que existem nas repartições públicas que sejam ecumênicas, agora eles tem um prazo para fazer a retiradas de todas as imagens de santos de dentro das capelas.”, disse Pastor.


Fonte: http://www.tvcanal13.com.br/noticias/pi-evangelicos-irao-protestar-contra-acordo-com-vaticano-75089.asp

domingo, 13 de setembro de 2009

Para Vaticano, lei das religiões é 'perigo' e 'retrocesso'

No dia 9 de agosto, a Rádio Vaticano, voz oficial da Sé de Roma, publicou editorial em que condena com veemência a chamada lei das religiões. Vale a pena ler sua íntegra:


EDITORIAL: PERIGO NO AR!
Cidade do Vaticano, 30 ago (RV) - Ao mesmo tempo
em que louvamos o Congresso Brasileiro pela aprovação do Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, ficamos perplexos com a futura criação da Lei Geral das Religiões.

No Acordo vimos dois Estados, duas entidades independentes, autônomas, falando no mesmo nível e contemplando todas as religiões com as benesses adquiridas, se
isso acontecer.

Na Lei Geral, paira no ar um cheiro de retrocesso, de volta à dependência ao Estado, de solicitação ao Poder Civil para que legisle sobre a prática da fé. Sente-se algo de retorno ao Brasil Império, onde um ministério legislava sobre a religião, como poderia e deveria ser praticada.

Esperava-se que os representantes do povo, cônscios de sua responsabilidade, não se deixassem levar por partidarismos, mas vissem o bem geral da nação. Infelizmente tal não acontece. Deixando de lado situações mais graves, vamos nos referir a situações comezinhas, mas não menos importantes, quando se pretender colocar no mesmo rol, por exemplo, um templo de 400 anos, seja de uma igreja cristã ou de uma sinagoga, mas patrimônio cultural da nação brasileira, com uma construção de poucos anos, que até há pouco era um local de diversão. Parece que não se entende do que se legisla e coloca-se no mesmo saco "oves et boves". (CA)



Ora, mas a chamada lei das religiões nada mais é do que uma cópia quase ao pé da letra do texto da concordata, com a diferença que concede a todos os grupos religiosos as benesses e privilégios que na concordata só a Igreja Católica recebe.

Para quem ainda não havia percebido, o editorial deixa escancarado o fato de que o discurso de igualdade da Igreja Católica sobre "abrir as portas para as demais religiões" é patentemente falso. A Igreja Católica, os representantes do Vaticano e da CNBB e os partidários do acordo repetiram à exaustão a idéia de que "o Acordo não impede, de forma alguma, que outras crenças – cientes dos direitos que lhe são reconhecidos pelo Direito Internacional − venham a celebrar acordos para preservar seus cultos e ritos" (Estado laico não é Estado ateu, publicado também pela Rádio Vaticano, e no mesmo dia 29 de agosto que o editorial em questão). Mas é claro que essa era uma declaração fácil de fazer, pois é sabido que a consecução desses outros acordos com mesma natureza jurídica era impossível. Mas eles não contavam com a astúcia dos parlamentares brasileiros e foram pegos de surpresa pela brilhante idéia de copiar o acordo com a Sé de Roma e colar em uma lei brasileira. E agora são obrigados a mostrar o verdadeiro espírito da concordata.

A Igreja Católica não deseja igualdade e por isso não é igualdade que a concordata propõe, como temos dito desde o começo. O Vaticano está tão receoso da igualdade que prefere se submeter ao vexame de contrariar o discurso de poucas semanas atrás a deixar passar em branco a lei das religiões.

A expressão latina ovs et boves deixa isso bem claro. Ela é uma referência ao livro de João e literalmente significa apenas "ovelhas e bois". Mas a expressão completa é boves et oves et columbas, et nummularios sedentes (bois, ovelhas, pombas e os cambistas ali sentados), e descreve a confusão que Jesus teria achado antes de seu acesso de fúria com os "vendilhões do templo". Ela costuma ser utilizada para agrupamentos bastante hereogêneos, reunidos sem lógica ou semelhança alguma. É assim que a Igreja Católica se vê: como acima e ao largo de todos os demais grupos religiosos, portanto nada menos do que plena merecedora de tratamento acima e ao largo dos demais.

Para o Vaticano, o acordo com a Sé é bom e legítimo; quando as mesmas benesses (na verdade, nem todas) são estendidas a todos, trata-se de "perigo" (com direito a exclamação!) e retrocesso. Quando se trata do Vaticano, o acordo não fornece privilégios à Igreja Católica; quando se trata dos demais, é "partidarismo" que não leva em conta "o bem geral da nação". Proteger e financiar a manutenção de todas as católicas, sem exceção, é sacrossanto dever do Estado. Fazer o mesmo com os demais templos, é colocar no mesmo saco oves et boves. Essa é a "igualdade" que prega a Igreja Católica e que orienta tanto os termos atuais da concordata como sua interpretação, que o próprio documento aponta ser privilégio da Igreja. Esperamos que os senhores senadores não vendam suas almas a esse ataque tão claro à liberdade e igualdade religiosas no país.

sábado, 12 de setembro de 2009

Desvendando a concordata, parte II: artigos 1o a 7o

Este é o segundo texto da série Desvendando a concordata, que se refere ao acordo assinado entre o Brasil e a Sé de Roma em 2008. No primeiro artigo, abordamos apenas o título e as disposições iniciais, mas mesmo essas primeiras linhas são prolíficas o suficiente para que se institua, por exemplo, que a concordata se baseia em disposições que atentam violentamente contra a liberdade religiosa, como a instrução de batizar crianças mesmo contra a vontade dos pais.

Os artigos 1o a 7o pertencem a dois blocos diferentes: do primeiro ao quarto artigo tem-se uma série de determinações pouco polêmicas, e a partir do artigo quinto começa uma série de disposições que estabelecem privilégios à Igreja Católica, a maior parte deles em detrimento de todos os demais cultos.

Os artigos 1o, 2o e 3o da concordata provavelmente são os únicos que fazem jus à ideia de "reforço" da legislação existente, pois em linhas gerais apenas se referem a situações existentes, sem alterá-las. Cabe destaque aqui para o art. 3o, em que "A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica". Ora, se reafirma é porque a personalidade jurídica da Igreja Católica já foi afirmada, o que de fato acontece em nosso Código Civil, e por isso o título oficial de "Estatuto jurídico da Igreja Católica" é enganoso (vide Fatos e Mitos sobre a concordata e Desvendando a concordata, parte I: título e disposições iniciais).

Mesmo os itens menos problemáticos do texto têm potencial para gerar grandes dificuldades internas ao país. Embora os artigos 1o a 3o estejam de acordo com a legislação brasileira atual, sua existência impede mudanças futuras, que deveriam ser decididas soberanamente pelo legislativo brasileiro. Mas uma eventual ratificação da concordata impedirá qualquer mudança a respeiro dos temas da concordata em nossas leis, que ficarão submetida à vontade de uma instituição estrangeira, condicionando a vida de cidadãos brasileiros em solo brasileiro. Como bem apontou a pesquisadora Roseli Fischmann, se o Congresso ratificar a concordata, estará para sempre abdicando de seu poder de legislar sobre matérias de interesse nacional.

O artigo quarto é um dos mais curiosos do documento, pois é o único que estabelece um dever claro à Sé de Roma, e talvez por isso mesmo tenha sido incluído, pois de outra forma não haveria bilateralidade de obrigações. Afinal, em todo o restante do texto, é o Brasil quem cede direitos e arca com deveres. Mas nem isso salva o texto do artigo, em que se lê: "A Santa Sé declara que nenhuma circunscrição eclesiástica do Brasil dependerá de Bispo cuja sede esteja fixada em território estrangeiro."

Ora, essa é uma matéria interna da Igreja católica. Não poderia importar menos ao Estado onde está a sede de qualquer bispo. O que ainda não se apontou em nenhuma análise até o momento é que esse é talvez um dos artigos que mais claramente viola a laicidade do Estado brasileiro, pois não cabe a Estado laicos legislar sobre como se organizam cultos e Igrejas. Não deixa de ser bastante curioso que mesmo assim a própria Igreja Católica defenda que o acordo não viola a seperação entre Igreja e Estado, apesar de a disposição ser bastante secundária e claramente não lhe ser prejudicial. Parece ser um preço muito, muito pequeno a se pagar pelos verdadeiros privilégios demarcados nos artigos seguintes, ainda mais porque certamente a iniciativa do artigo partiu da própria Igreja Católica. Mas não deixa de ser extrememente grave que a sociedade, o Congresso, o executivo e a própria Igreja tenham vendido tão barato a liberdade religiosa plena.

Basta pensar que no futuro a Igreja Católica pode mudar de idéia sobre as sedes de seus bispos. Para efetuar qualquer mudança, ela dependerá da anuência do governo feredral, e nesse caso a Igreja, com toda justiça, iria apontar que sua liberdade religiosa está sendo cerceada pelo Estado. É exatamente por isso que o Estado não pode se imiscuir nos assuntos internos dos cultos, nem mesmo a seu pedido, e é por isso que a concordata, como um todo, é inconstitucional.

Depois do art. 4o começa um tipo bastante diferente de disposições, distintamente afirmando ou expandindo direitos e privilégios que não aparecem na legislação brasileira corrente. O art. 5o, por exemplo, institui que

"As pessoas jurídicas eclesiásticas, reconhecidas nos termos do Artigo 3º, que, além de fins religiosos, persigam fins de assistência e solidariedade social, desenvolverão a própria atividade e gozarão de todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios atribuídos às entidades com fins de natureza semelhante previstos no ordenamento jurídico brasileiro, desde que observados os requisitos e obrigações exigidos pela legislação brasileira."

Como acontece muitas vezes ao longo do acordo, esse artigo estabelece privilégios exclusivos à Igreja Católica, e desta vez de maneira furtiva pois as pessoas jurídicas eclesiásticas do art. 3o são apenas as ligadas à Sé de Roma. Mas o problema vai mais além. A maneira mais fácil de entender o que há de errado com esse artigo é pensar no antigo conceito racista de que uma única "gota de sangue" negro ou judeu em uma árvore genealógica contamina irremediavelmente a "pureza" de um indivíduo. O art. 5o da concordata age de maneira contrária, instituindo que uma única gota de assistência e solidariedade social exercida por instituições católicas as eleva à pureza plena de entidades plenamente beneficentes, conferindo-lhes todos os direitos, imunidades, isenções e benefícios de que elas gozam.

Em outras palavras, a distribuição de um único prato de sopa por ano será suficiente para que o Estado forneça subsídios e benefícios a iniciativas de evangelização e todas as demais atividades religiosas que nada têm a ver com fins de beneficência e bem-estar público, e contemplam apenas os interesses privados da Igreja Católica, com o financiamento estatal de fiéis de todos os credos.

O art. 6o institui uma via ainda mais ampla de transferência de recursos públicos para os fins particulares da Igreja Católica:

"As Altas Partes [Brasil e Igreja Católica] reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro, e continuarão a cooperar para salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica ou de outras pessoas jurídicas eclesiásticas, que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico."

Esse artigo possui duas partes distintas: na primeira, declara-se que o patrimônio "histórico, artístico e cultural da Igreja Católica" é "parte relevante" do patrimônio cultural brasileiro. Essa afirmação em si já encerra dois problemas graves, pois ignora solenemente todo o patrimônio dos demais credos (muitos dos quais são legitimamente brasileiros, ao contrário da Igreja Católica). Essa é uma declaração flagrantemente discriminadora contra todos os demais grupos religiosos, que ficam relegados por lei a um papel secundário. Além disso, embora possa não parecer, o artigo protege indiscriminadamente todo o patrimônio da Igreja, sem exceções. Afinal de contas, o patrimônio que for recente demais para ser histórico ou comum demais para ser artístico não poderá deixar de ser "patrimônio cultural", pois tudo que for relativo à religião faz parte da cultura.

Esse artigo não se trata, portanto, de proteger bens legitimamente históricos, artísticos e culturais, afinal de contas o Estado já tem órgãos específicos para isso. Esse é o caso do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, criado para definir que bens realmente são parte de nosso patrimônio histórico, uma decisão difícil que envolve avaliações multidisciplinares complexas. Mas o art. 6o da concordata passa por cima da autoridade do IPHAN, ignora todos os critérios técnicos que devem guiar as decisões envolvidas e determina literalmente por decreto que o patrimônio da Igreja Católica, qualquer que seja, é relevante -- e ponto.

Essa valorização acentuada e generalizada já constitui privilégio importante, mas o artigo vai além: ele carrega um pesado ônus financeiro -- para os cofres públicos, é claro. A segunda parte do artigo determina que o Estado deverá "salvaguardar, valorizar e promover a fruição dos bens, móveis e imóveis, de propriedade da Igreja Católica". Como acontece diversas vezes ao longo do texto, fica aberto à interpretação o que exatamente implicam eses verbos, e essa interpretação será guiada pela própria parte interessada, que é a Igreja Católica, segundo o art. 19 do acordo. Mas não há dúvida de que salvaguardar, valorizar e promover fruição de bens contempla não só a criação de novos privilégios como a transferência de despesas próprias da Igreja Católica ao coletivo da população. Este artigo é provavelmente aquele em que se configura de maneira mais clara a apropriação do Estado brasileiro pelos interesses particulares da Igreja Católica.

É verdade que o caput faz uma referência a "outras pessoas jurídicas eclesiásticas que sejam considerados pelo Brasil como parte de seu patrimônio cultural e artístico", que parece igualar as condições dos outros credos às da Igreja. No entanto, o trecho é inócuo pois as demais pessoas jurídicas continarão tendo que passar pelos mesmos trâmites legais que todas as instituições da sociedade civil para ter seus bens incluídos no patrimônio histórico, como sempre aconteceu. Enquanto isso, acima de todos os mortais comuns, a totalidade dos bens da Igreja Católica fica protegida e financiada pela concordata, com enganadora aparência de equitatividade. O parágrafo 1o deixa a proteção mais clara, ao estabelecer que

"§ 1º. A República Federativa do Brasil, em atenção ao princípio da cooperação, reconhece que a finalidade própria dos bens eclesiásticos mencionados no caput deste artigo deve ser salvaguardada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sem prejuízo de outras finalidades que possam surgir da sua natureza cultural."

O trecho deixa patente que "salvaguardar, valorizar e promover fruição de bens" inclui privilégios legais -- mais uma vez, só para a Igreja Católica. O parágrafo seguinte tem um teor bastante diferente dos anteriores:

"§ 2º. A Igreja Católica, ciente do valor do seu patrimônio cultural, compromete-se a facilitar o acesso a ele para todos os que o queiram conhecer e estudar, salvaguardadas as suas finalidades religiosas e as exigências de sua proteção e da tutela dos arquivos."
O fato de a Igreja se "comprometer" parece indicar a existência de um dever, mas isso é apenas efeito de uma redação inteligente. O que existe nesse patágrafo nada mais é do que uma reafirmação dos próprios interesses da Igreja de divulgar e fazer conhecidos seu patrimônio e seu ideário. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica se exime de qualquer ação objetiva, pois o compromisso de "facilitar" o acesso é tão vago que não implica nenhum dever concreto.

Por fim, o artigo 7o, mais uma vez, faz declarações que expandem, só para a Igreja Católica, os direitos que a legislação brasileira dá a todas as confissões religiosas.

"A República Federativa do Brasil assegura, nos termos do seu ordenamento jurídico, as medidas necessárias para garantir a proteção dos lugares de culto da Igreja Católica e de suas liturgias, símbolos, imagens e objetos cultuais, contra toda forma de violação, desrespeito e uso ilegítimo.
A Constituição Federal está longe de conceder essa ampla gama de proteções, pois o inciso VI do art. 5o da CF afirma apenas que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". O que constitui violação? O que significa desrespeito ou uso ilegítimo? O documento não esclarece, e como a sua interpretação depende da própria parte interessada, só podemos esperar que esses significados sejam os mais amplos possíveis, invadindo a liberdade de expressão da sociedade tanto quanto a Igreja o deseje.

Existem diversos exemplos de publicações e obras de arte que já sofreram censura ou tentativa de censura pela Igreja Católica. No Brasil, os casos mais famosos envolveram a proibição de uma revista Playboy de 2008, por conter fotos de uma atriz com um terço, a proibição do filme Je vous salue, Marie, de Jean Luc Godard, e a suspensão da exposição Erotica, os sentidos da arte, que seria promovida pelo centro cultural do Banco do Brasil. Mas houve diversos casos menos conhecidos, como ações criminais contra artistas, cancelamento de linhas de moda, e tantos outros. É claro que com a aprovação da concordata, será praticamente ilimitado o poder da Igreja para censurar com eficiência e dentro da lei qualquer forma de expressão que lhe seja inconveniente -- mais um privilégio indevido e que a coloca claramente acima dos demais credos. Com o parágrafo primeiro do artigo 7o, ocorre o mesmo:


§ 1º. Nenhum edifício, dependência ou objeto afeto ao culto católico, observada a função social da propriedade e a legislação, pode ser demolido, ocupado, transportado, sujeito a obras ou destinado pelo Estado e entidades públicas a outro fim, salvo por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, nos termos da Constituição brasileira.

Desde quando as Igrejas católicas estão sendo sorrateiramente demolidas, suas sacristias ocupadas, seus incensórios transportados? Estaria a Igreja se preparando para uma nova revolução russa? Parece muito improvável. Está bem documentado o fato de que eventos semelhantes não raro acontecem com os terreiros de umbanda e candomblé, como vem acontecendo há séculos. Mas eles não mereceram a deferência de tal proteção da lei, ou mesmo da alegadamente igualitária concordata com a Sé de Roma.

Não se trata então de uma apólice de seguros contra o armagedon, mas de uma velada proteção aos símbolos e dependências de culto católico que foram entronizados nas repartições públicas brasileiras. Essa apropriação indébita do espaço público iniciou com o próprio surgimento do Estado brasileiro, como mais uma maneira de selar a aliança entre o Estado confessional e a Igreja com quem ele se confundia, impedindo os demais cultos e coagindo ativamente os cidadãos das demais confissões com negação de direitos e até mesmo com força bruta. Desde o fim do século dezenove a lei deixou de privilegiar qualquer culto, e aqueles símbolos e dependências religiosas no seio do Estado foram proscritos pela cláusula de laicidade do Estado. No entanto eles permaneceram, à margem da lei. A concordata surge, de novo e de novo, como um instrumento para aprofundar, legitimar ou retomar benesses de uma maneira que não se viu em tempo algum durante a República.

A sanha protecionista da Igreja Católica foi tão grande que os legisladores vaticanos deixaram até mesmo de eximir os símbolos e dependências de culto particulares, como os presentes em clubes, cemitérios, empresas e casas: todos estão incluídos na lei. Por mais absurdo que seja, o que reza a concordata é que até mesmo os donos de símbolos particulares não poderão dispor deles como bem entenderem: a Igreja afirma que não podem ser demolidos, ocupados ou transportados, e o Estado brasileiro imporá isso a todos os cidadãos por força de lei.

A solução para essa insanidade não é determinar uma interpretação mais branda, ao contrário do que dispõe o acordo, claramente e com todas as letras. O que se deve fazer, por esse e tantos outros motivos, é repelir esse absurdo jurídico que atenta contra os fundamentos mais básicos de nossa democracia. Não se pode esperar menos de cada um dos senadores da república brasileira, ao menos enquanto ela tem chance de permanecer legalmente laica.

D. Odilo fala sobre concordata no Estadao

O jornal Estado de S. Paulo publicou hoje um artigo de D. Odilo P. Scherer, arcebispo de S. Paulo, a respeito da concordata. Não por acaso, o texto dele nao faz qualquer menção a artigos do acordo, mantendo-se em generalidades que nao condizem em absoluto a realidade, como passamos a expor abaixo.

O arcebispo afirma, por exemplo, que

"Sem clareza jurídica a liberdade religiosa fica fragilizada e até exposta a arbitrariedades e constrangimentos."
No entanto, não se indica onde ou por que faltaria clareza jurídica nem que fragilidades, arbitrariedades e constrangimentos são esses. É verdade que, no Brasil, minorias religiosas sempre sofreram discriminação. Por exemplo, ainda hoje os sacerdotes de cultos afro-brasileiros têm dificuldade para entrar em hospitais e prestar assistência religiosa. E somente sacerdotes católicos e evangélicos estão instalados nas capelanias militares, excluindo todos os demais grupos. O fato é que a Igreja Católica e seus fiéis jamais tiveram sua liberdade religiosa fragilizada no pais, e que portanto não há nenhum artigo na concordata que tente remediar esse problema inexistente. Segundo Scherer,

"o Estado laico também fica de mãos atadas, sem saber como proceder quando a liberdade religiosa é invocada como pretexto para cometer ilícitos e explorar economicamente, em função de lucro privado, as necessidades e sentimentos religiosos do povo. Como coibir, por exemplo, o charlatanismo e a exploração da boa-fé do povo? Como levar à Justiça o infrator que lesa a população e o Estado, se ele pode sempre apelar para uma liberdade religiosa vaga e mal interpretada? É a essa clareza jurídica que o Acordo visa, no que se refere à Igreja Católica, que tem na Santa Sé o seu representante e interlocutor com os Estados, na esfera do Direito Internacional.

A concordata também não trata desses pontos, de maneira que isso não constitui argumento em favor de sua assinatura. Não há absolutamente nada nos vinte artigos do acordo que estabeleça como tratar do problema do charlartanismo e da exploração da fé.

O arcebispo nao deixa de lembrar que

"A diplomacia da Santa Sé tem uma praxe longa e consolidada de acordos, tratados, concordatas ou convênios com muitos países; são instrumentos reconhecidos do Direito Internacional, por meio dos quais a Igreja Católica, em entendimento com os Estados, clareia o modo de sua presença e atuação nesses países, e também sua contribuição às sociedades locais, em benefício da população. Esses tratados são estabelecidos pela Santa Sé com numerosos países, e não apenas com nações de maioria católica ou cristã, mas também onde os católicos são pequena minoria, como Israel, ou países de predominância islâmica, como a Tunísia e o Marrocos. Mas também com Estados declaradamente laicos."

Sim, mas o fato de uma coisa ser comum não significa que seja boa, nem que seja legal. Esse argumento constitui uma falácia chamada ad populum, que o arcebispo só utiliza quando lhe convém. Por exemplo, muitos países não criminalizam o aborto, mas o arcebispo entende que isso não é motivo para que sigamos esse modelo. E ele tem razão! Devemos julgar um ato por sua correção, nao por sua popularidade. E esse critério também e válido para a concordata, de maneira que os dados que ele reporta em nada legitimam o acordo com a Sé de Roma.

Para Scherer,

"O Acordo não pretende privilégios para a Igreja Católica, mas a segurança jurídica, como garantia efetiva do exercício da liberdade religiosa. Dessa clareza também faz parte a própria organização interna, que pode ser muito diversa de uma religião para outra: quem é quem dentro delas, quem as representa e é seu legítimo interlocutor com a sociedade. Essa clareza interna, por certo, não falta à Igreja Católica, que a expressa no seu Direito Canônico, antigo e público, e onde também ficam manifestos seus propósitos e sua metodologia de ação."

Ao contrario do que ele afirma, o acordo prevê claros privilégios para a Igreja Católica, como fica claro aqui. Quanto à organização interna dos cultos e igrejas, isso não é matéria para a legislação brasileira, que deve apenas garantir a liberdade religiosa, como já faz. E se a Igreja Católica ja tem essa "clareza interna", isso não e motivo para criar um acordo com força de lei. Segundo o arcebispo,


"Não faltaram questionamentos e argumentações contrárias, antes que se chegasse à ratificação do Acordo na Câmara."
Sim, houve muitos questionamentos e argumentações contrárias, mas apesar do comportamento dos partidários da concordata, não por causa deles. E esse questionamento não foi veiculado à sociedade devido ao boicote da mídia. Para comecar, o acordo circulou em segredo durante anos nos corredores do Itamaraty, do palácio do planalto e de diversos ministérios, sem que a sociedade tivesse qualquer acesso a eles. Os termos exatos só vieram à tona depois que o documento já tinha sido assinado, e não havia sido divulgada sequer a intenção de assinatura de um tratado quando o presidente foi ao Vaticano. Depois disso, a Igreja e os partidários do acordo fizeram toda pressão possível para acelerar a tramitação ao máximo e impedir ate as audiencias publicas. O relator da materia na CREDN, por exemplo, só recebeu dois grupos: a CNBB e a ATEA. Nao foi consultada nenhuma entidade representativa na sociedade civil, apesar de a comissão ter recebido, através da ATEA, contundentes protestos por escrito de mais de um grupo religioso e arreligioso. A CCJ da Câmara, cujo parecer seria um dos mais importantes, sequer teve tempo de discutir a materia internamente de maneira adequada.

"Argumentou-se com veemência, por exemplo, que o Acordo feria a Constituição, enquanto houve todo o cuidado em respeitar a Lei Maior e a restante legislação brasileira. Tentou-se negar a legitimidade do Acordo, com a alegação de que o Brasil é um Estado laico


Com ou sem esse cuidado, o acordo não preserva a laicidade do Estado. Ele é inconstitucional e fere tambem legislação infraconstitucional, como mostramos aqui.


"no entanto, acordos dessa natureza partem, justamente, da aceitação da laicidade do Estado e confirmam esse princípio; por essa razão é que a Santa Sé busca formas 'concordadas' de relacionamento da Igreja com Estados não religiosos e sem religião oficial."

Mais uma vez, o arcebispo não produz nenhuma evidência de sua afirmacão de que o acordo vem da aceitação da laicidade. Laicidade estatal significa separação entre a condução do Estado e a vida religiosa na sociedade civil. A concordata faz exatamente o contrário, estipulando ao Estado obrigações de ordem e interesse religioso. O fato de um determinado governante ter concordado com os termos do acordo nao significa que eles sejam legais ou constitucionais: o governante pode estar equivocado, e/ou ter interesses políticos na aprovação do documento.


"Houve também conclusões equivocadas de que a Igreja Católica voltaria a ser a religião oficial no Brasil, que ela imporia seu ensino religioso a todos os alunos das escolas públicas e pretendia a isenção das leis trabalhistas. Tudo infundado, era só ler com isenção os termos do Acordo."

Aqui o arcebispo está coberto de razão: o acordo nao reinstitui o catolicismo como religião oficial, não impõe ensino religioso católico a todos os alunos das escolas publicas, nem pretende isenção completa de leis trabalhistas. O que o acordo faz é reinstituir privilégios que a Igreja Católica só tinha quando era religião oficial, impor o oferecimento de ensino católico as escolas publicas e isentar a Igreja Católica de ônus trabalhistas para com todos os seus sacerdotes.


"Houve ainda alertas e até acusações de que a Igreja Católica buscava privilégios, discriminando outros grupos religiosos. Também isso é inconsistente, pois o mesmo direito de pleitear instrumentos jurídicos concordados com o Estado estava igualmente assegurado aos demais grupos religiosos, bastando que se organizassem. E seria bom assim; nada melhor, no Estado laico, do que a clareza nas relações da religião com a sociedade."
Nesse trecho, Scherer acaba por se contradizer, pois só há necessidade de outros grupos se organizarem caso o acordo conceda privilégios à Igreja Católica. Do contrário, não haveria nenhum "instrumento jurídico" a pleitear. O que o representante da Igreja Católica acaba deixando claro é que os demais grupos religiosos vão precisar "correr atras do prejuízo" se desejarem igualdade de tratamento. E ainad assim a igualdade não virá por dois motivos: primeiro porque nenhum outro grupo religioso possui um Estado com que possa assinar instrumento jurídico semelhante; e segundo porque de um jeito ou de outro os sem-religião, que constituem cerca de 8% da população, continuarão à margem desses privilégios, tendo o dinheiro dos seus impostos utilizados para financiar a ideologia alheia.


"O fato é que, uma vez aprovado, o texto foi proposto logo, quase ipsis litteris, num projeto de 'Lei Geral das Religiões' e aprovado na mesma hora, sem discussão nem convocação de audiências públicas. Aquilo que antes fora considerado inaceitável, absurdo e contrário aos interesses do povo, incompatível com o Estado laico, deixou de sê-lo num piscar de olhos. Terá sido pelo adiantado da hora daquela sessão extraordinária noturna?

O argumento de Scherer não faz sentido porque os deputados que se opuseram ao acordo com a Sé de Roma foram os mesmos que se opuseram a 'lei das religioes', notadamente André Zacharow, Dr. Rosinha, Takayama e Pedro Ribeiro. Se houve alguma mudanca de lado, foram bem poucas.


"O Estado, por certo, continua laico e pode celebrar acordos e entendimentos com quem quer que seja, no respeito às suas próprias leis. No entanto, ao passar para uma legislação geral organizações tão diversas como as religiões, será que não houve um cochilo longo demais? Na Roma antiga, neste caso, a recomendação aos homens ilustres do Senado, provavelmente, teria sido esta: 'Videant consules'."

Se um documento é cópia do outro, não há como justificar que o acordo que concede privilégios à Igreja Católica seja válido enquanto a lei que estabelece os mesmos privilégios aos demais grupos religiosos (mas jamais aos sem-religião) seja um "cochilo". Scherer insta os demais grupos a buscarem instrumentos de mesmo efeito, mas esses instrumentos viram realidade, ele os critica, deixando claro que o discurso de igualdade é só para inglês ver.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Vaticano se opõe a ensino religioso plural

Segundo notícia da agencia EFE, o Vaticano declarou novamente ser contrário a qualquer tipo de ensino religioso plural ou multicultural, e desta vez foi mais além, instando todos os seus bispos a se opor a qualquer iniciativa para instauração daquele tipo de ensino religioso.

No entanto, esse ensino religioso é o único tipo permitido pela lei brasileira, como aponta muito claramente o art. 33 da LDB. Isso reforça o fato de que o artigo 11 da concordata, que fala de "ensino religioso católico" é uma disposicao ilegal, não apenas na letra como no espírito.

UBES se declara contra ensino religioso

Segundo notícia postada no portal Vermelho.org,

Ubes é contra artigo [de ensino religioso na concordata]

A União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) se posiciona contrária ao artigo. “Somos contra o ensino religioso em escolas públicas porque defendemos uma educação laica. Não podemos voltar ao passado, este é um modelo atrasado que fere a diversidade cultural e social brasileira. Respeitamos a Igreja Católica, mas nenhuma religião deve ser imposta ao estudante por meio da implementação de uma disciplina em escolas públicas”, declara Osvaldo Lemos, diretor de Relações Internacionais da entidade. Em parecer datado de junho deste ano, a Coordenadoria de Ensino Fundamental do próprio Ministério da Educação (MEC) afirma que “o acordo fere a legislação brasileira e poderá gerar discriminação dentro da escola pública”.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Ass. Bras. de Antropologia repudia concordata e lei das religiões

Esta é a íntegra da nota publicada no site da Associação Brasileira de Antropologia:

Em Favor do Estado Laico no Brasil


A Associação Brasileira de Antropologia, ABA, em defesa da laicidade do Estado brasileiro e em respeito à pluralidade do Brasil, conclama os membros do Congresso Nacional, especialmente do Senado Federal, a rejeitar, por sua flagrante inconstitucionalidade, o Acordo bilateral entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé e a Lei Geral das Religiões, pois o artigo 19 da Constituição Federal/88 veda à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios manterem “relações de dependência ou aliança” com cultos religiosos e igrejas e/ou subvencioná-los. Aprovados na Câmara dos Deputados, ambos ferem gravemente a Carta Magna porque estabelecem, entre outras atribuições, aos poderes executivos, a tarefa, por exemplo, de se empenharem na destinação de “espaços a fins religiosos, que deverão ser previstos nos instrumentos de planejamento urbano a serem estabelecidos no respectivo Plano Diretor”. Enquanto o Acordo bilateral, costurado nos moldes das antigas concordatas, configura o estabelecimento de uma aliança formal entre Estado brasileiro e Santa Sé/Igreja Católica, a previsão jurídica de o Estado destinar “espaços” para fins religiosos institui uma subvenção estatal a cultos e igrejas. Por atentarem contra o princípio da laicidade em vigor na Constituição brasileira, conclamamos os senadores a rejeitar a Lei e o Acordo supracitados.

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Desvendando a concordata, parte I: título e disposições iniciais

A concordata assinada no ano passado entre o Brasil e a Sé de Roma tem 20 artigos que encerram uma grande variedade de disposições com graus bastante variados de desconformidade com a lei brasileira. Para ajudar em sua interpretação, disporemos neste espaço de algumas críticas aos pontos mais importantes. Embora longe de serem exaustivas, esperamos que elas ajudem a entender as consequências do acordo. Começaremos aqui tratando do título e das disposições iniciais.

O auto-instituído nome oficial da concordata é "Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao estatuto jurídico da Igreja Católica no Brasil". Como já apontamos anteriormente nos Fatos e mitos sobre a concordata, todas as instituições religiosas presentes no país, incluindo a Igreja Católica Apostólica Romana (pois há outras Igrejas Católicas, como a Igreja Católica Brasileira) já possuem um estatuto jurídico vigente e eficaz em nossa legislação, que é suficiente para o seu funcionamento pleno.

Dos vinte artigos do documento, apenas o caput de um deles (o art. 3o) realmente dispõe sobre o estatuto jurídico da Igreja. Os 95% restantes dispõem de outros temas, de maneira que o título oficial é apenas um nome de fantasia. O próprio texto se aponta nesse quesito como desnecessário, pois institui que "A República Federativa do Brasil reafirma a personalidade jurídica da Igreja Católica" -- e se reafirma, é porque ela já está instituída. No entanto, leis não são como instruções verbais que precisem ser "reafirmadas": uma vez promulgadas, permanecem válidas em sua íntegra até disposição legal em contrário.

O nome do acordo, portanto, não corresponde à vasta maioria dos assuntos de que ele trata. Mas ele foi e é extremamente eficaz em termos de relações públicas, já que grande parte dos meios de comunicação se baseou no discurso oficial para relatar a notícia. No melhor estilo de novilíngua, a introdução desse nome teve grande sucesso em estabelecer a percepção do seu conteúdo para aqueles que não o leram com atenção.

O corpo do documento inicia com sete de considerações. Comecemos pelas últimas duas, que estabelecem

Reafirmando a adesão ao princípio, internacionalmente reconhecido, de liberdade religiosa;
Reconhecendo que a Constituição brasileira garante o livre exercício dos cultos religiosos;

É claro que não há nada a obstar a elas, a não ser o fato de que são desmentidas por todas as demais considerações. Como acontece em muitos outros trechos da concordata, os poucos trechos perfeitamente lícitos se minsturam aos demais sem qualquer aviso. Por exemplo, a segunda consideração do preâmbulo afirma:

"Considerando as relações históricas entre a Igreja Católica e o Brasil e suas respectivas responsabilidades a serviço da sociedade e do bem integral da pessoa humana;"
É fato: dos nossos quinhentos anos de existência, cerca de quatrocentos se deram com íntima relação entre a Igreja Católica e a autoridade civil, tanto no tempo de colônia quanto no império. No entanto, essa dependência mútua se deu sempre sob a contrapartida não apenas da confessionalidade do Estado: ela implicou a ausência de liberdade religiosa e até perseguição religiosa. Durante o império, por exemplo, só católicos podiam votar e ser votados; como os cemitérios eram religiosos, quem não era católico podia ter seu sepultamento negado, como ocorreu no célebre caso de Júlio Frank.

Enquanto as relações entre Estado e Igreja Católica foram íntimas, não houve liberdade religiosa. Assim, 80% das relações históricas assinaladas na concordata assentaram amplos privilégios à Igreja Católica, em detrimento de todos os demais cultos. É em homenagem a essa época que a presente concordata foi escrita, e é a ela que seus termos desejam nos remeter novamente.

Não por acaso, a última consideração do preâmbulo afirma que os signatários estão
"Animados da intenção de fortalecer e incentivar as mútuas relações já existentes"
Ora, mas essas relações só existiram formalmente durante a colônia e o império, o tempo de perseguição religiosa legalmente instituída no país contra todos os cidadãos que não fossem católicos. A República começou instituindo concomitantemente, em seu decreto 119-A, a liberdade religiosa plena e a separação completa entre Estado e Igreja. Desde então, cabe ao Estado apenas assegurar a liberdade e a igualdade religiosas.

Até o momento, inexistem disposições legais válidas apontando relações do Estado brasileiro com qualquer credo. Mesmo a concordata de 1989, que estabelece capelanias militares exclusivamente católicas, não foi ratificada pelo Congresso Nacional como requer a Constituição Federal, de maneira que é juridicamente nula. Qualquer "relação mútua" fica submetida ao interesse público, que jamais pode passar pelos interesses de qualquer confissão em particular, como é o caso desta concordata.

E há coisas ainda mais graves. A primeira e a quarta considerações citam o Código de Direito Canônico:

"Considerando que a Santa Sé é a suprema autoridade da Igreja Católica, regida pelo Direito Canônico;"
"Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu ordenamento jurídico;"
Que a Sé de Roma se baseie no Código Canônico (leia versões oficiais em outras línguas aqui) não é surpresa alguma. No entanto, não se pode deixar de apontar que esse código contém injunções que, embora não sejam tão virulentas como as presentes em muitos textos de autoridade da Igreja Católica (por exemplo, o IV Concílio de Latrão), ainda são bastante preocupantes. Afinal de contas, é nesse código que se basearão as interpretações dadas à concordata (cf. art. 19), assim como as adições e convênios a serem produzidos com a CNBB (cf. art. 18) .

O Código de Direito Canônico é um documento longo e complexo, com quase dois mil artigos, e não cabe aqui uma análise geral. Destacaremos apenas alguns pontos que merecem atenção, como é o caso do cânon 1398:

"Quem provoca aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae."
Embora ele não seja novo, a simples aplicação desse artigo, cujos termos são bastante simples e diretos, provocou enorme comoção pública no mundo inteiro, em março deste ano, quando foi aplicado a todos os envolvidos no aborto realizado em uma menina de 9 anos de Alagoinha (PE), grávida de gêmeos após ter sido estuprada pelo padrasto, que não sofreu nenhuma sanção eclesiástica. Devemo-nos perguntar se é esse o tipo de determinação que desejamos que esteja associada à legislação nacional.

Para aqueles que preferem apontar que a atitude da Igreja pode não ser ética ou compassiva, mas não é ilegal, deve-se apontar o cânon 868, que estabelece o seguinte:

"§ 1. Para que uma criança seja licitamente batizada, é necessário que:
1° - os pais, ou ao menos um deles ou quem legitimamente faz as suas vezes, consintam;"

Esse cânon dá como legítimo o batismo de uma criança contra a vontade de um dos pais, uma ação no mínimo controversa cuja legalidade caberia a um tribunal brasileiro decidir, não a um tribunal eclesiástico em solo estrangeiro. Mas o mesmo artigo tem um dispositivo muito mais grave:

§ 2. Em perigo de morte, a criança filha de pais católicos, e mesmo não-católicos, é licitamente batizada mesmo contra a vontade dos pais.
Aqui fica perfeitamente explícito o espírito do qual é imbuído o Código Canônico, e que portanto também rege a Concordata: trata-se não apenas da doutrinação católica em desrespeito pleno a qualquer outro grupo ou qualquer entendimento de diversidade ou pluralidade. O que se tem aqui é a violação flagrante dos direitos individuais de crianças, assim como a violação dos direitos dos seus pais. Cânones como esse contradizem inequivocamente os princípios mais básicos do Estatuto da Criança e do Adolescente, e também de nossa constituição, no que tange à liberdade religiosa e a liberdade de consciência e crença. Esse não pode ser o tipo de legislação que rege as partes com quem nosso país assina tratados, ainda mais se ela determinará a interpretação e as adições a esse tratado.

O mesmo ímpeto aparece em outros artigos, como o Cân. 870:

A criança exposta [órfã] ou achada, seja batizada, a não ser que, após cuidadosa investigação, conste de seu batismo.
Nota-se que a única preocupação aqui é a de não rebatizar a criança, o que é proibido por outro artigo do cânon. Não se vê qualquer preocupação em procurar os pais, a existência de outros membros da família, ou mesmo considerar os desejos da criança (assim considerada pelo Código Canônico até os dezoito anos): se ela não tem quem zele por ela, será batizada a despeito de qualquer outra coisa. De fato, há inúmeros relatos de batismos secretos de crianças e até de adultos batizados contra sua vontade na Índia, denunciados por ativistas de vários credos.

A aplicação do cânon 868 foi o pivô do famoso caso do sequestro de Edgardo Mortara. Mortara era um garoto judeu de sete anos que foi batizado por sua babá, uma menina católica de 14 anos, sob a alegação de que ele estava doente e ela temia que ele não sobrevivesse. Então, durante a noite de 23 de junho de 1858, a polícia chegou à casa dos Mortara em Bolonha, que na época pertencia aos estados papais -- sob a autoridade civil dos papas, e prevalência do Código Canônico. Segundo o Código Canônico, o batismo fazia de Edgardo um católico, e a lei proibia que um cristão fosse criado por não-cristãos, mesmo que fossem seus pais.

Mortara foi tomado de sua família, que não teve permissão para vê-lo por várias semanas; quando finalmente isso lhes foi gentilmente permitido, eles não podiam ficar a sós com seu próprio filho. A Igreja Católica afirmou que os Mortara podiam reavê-lo caso se convertessem ao catolicismo, o que eles recusaram. Apesar de diversos apelos internacionais, o papa Pio IX, conhecido por seu anti-semitismo, não cedeu. Edgardo acabou por se ordenar padre, e chegou a escrever a sua mãe nos seguintes termos: "eu sou batizado. Meu Pai é o Papa, eu gostaria de viver com minha família se ela se tornasse cristã, e rezo para que isso aconteça."

É verdade que os fatos são do século retrasado, mas as verdades promulgadas pela Igreja Católica se pretendem eternas e imutáveis. Mais do que isso, o importante é que o sequestro do rapaz foi causado por artigos do Código Canônico que continuam em vigor ainda hoje -- o mesmo código que rege uma das partes da concordata. Nos termos do próprio acordo:

"Baseando-se, a Santa Sé, nos documentos do Concílio Vaticano II e no Código de Direito Canônico, e a República Federativa do Brasil, no seu ordenamento jurídico"

Ou seja: é em determinações como os cânons 868 e 870, entre tantos outros, que se baseia uma das partes do acordo. É com base nesses cânons que se determinará como deverão ser interpretados e como poderão ser expandidos os termos da concordata. E com base neles serão decididas as sentenças sobre matéria matrimonial que o Estado brasileiro será obrigado a homologar (cf. art.12), tema que será detalhado em outros tópicos.

Como se vê, desde seus termos mais fundamentais, a concordata já se orienta por disposições anti-democráticas e inconstitucionais. Seus princípios denunciam profundo desrespeito à liberdade e à pluralidade religiosas, o que também se reflete nos termos dos artigos do acordo, como se verá nos próximos textos.

Editorial do Estado de S. Paulo denuncia concordata e acordão

A FÉ COMO NEGÓCIO
O Estado de S. Paulo, 02-09-2009

Se a ratificação do acordo firmado pelo presidente Lula e pelo papa Bento XVI já era ruim, uma vez que ignora o princípio do Estado laico consagrado pelas Constituições brasileiras desde a proclamação da República e concede privilégios que colidem com o princípio constitucional da igualdade, com a aprovação do projeto de "Lei Geral das Religiões", pela Câmara dos Deputados, a situação poderá assumir aspectos de alçada da legislação do Código Penal.

O acordo entre o Brasil e o Estado do Vaticano foi assinado em Roma, no fim de 2008. Ao justificá-lo, a Igreja Católica, valendo-se da condição de ser formalmente subordinada a um Estado soberano, alegou que o objetivo do documento era sistematizar o que estava previsto por leis esparsas. Além da isenção fiscal para pessoas jurídicas religiosas, o acordo prevê a manutenção do patrimônio cultural da Igreja Católica com recursos públicos e isenta a instituição de cumprir obrigações impostas pelas leis trabalhistas brasileiras. Tendo sido redigido de modo vago, ele abre caminho para a ampliação dessas concessões para todos os negócios da Igreja, que é dona de editoras, rádios, TVs e escolas.

Tendo o presidente Lula cometido o equívoco de assinar esse acordo, era inevitável que as demais igrejas invocassem isonomia, exigindo os mesmos privilégios. Quando a ratificação do acordo foi encaminhada ao Legislativo, como determina a Constituição, as bancadas evangélicas aproveitaram a oportunidade para estender a toda e qualquer "instituição religiosa" as mesmas vantagens legais, trabalhistas e fiscais concedidas à Igreja Católica. O projeto de lei apresentado com esse objetivo tramitou em tempo recorde. Seus vícios começam com a total liberdade dada às "denominações religiosas" para criar, modificar ou extinguir suas instituições, e avançam com as isenções fiscais para rendas e patrimônio de pessoas jurídicas vinculadas a quaisquer instituições que passem por religiosas.

Essas concessões abrem uma imensa porteira para negócios escusos. Basta ver, nesse sentido, a ação que foi aberta há três semanas na 9ª Vara Criminal da capital contra a Igreja Universal do Reino de Deus, sob a acusação de formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Segundo o Ministério Público, o "bispo" Edir Macedo e seus "pastores" viriam há dez anos iludindo fiéis e cometendo os mais variados tipos de fraude. Os promotores afirmam que, somando transferências e depósitos bancários feitos por pessoas ligadas à Universal, ela teria movimentado R$ 8 bilhões, entre 2001 e 2008, desviando para a aquisição de emissoras de TV e rádio, financeiras, agências de turismo, imobiliárias e jatinhos recursos doados por fiéis para atividades de catequese.

Dias antes de acionar a Universal, o MP havia informado que retomará o processo por crime de sonegação fiscal e lavagem de dinheiro contra os fundadores da Igreja Apostólica Renascer em Cristo. A ação estava suspensa porque o "bispo" Estevam Hernandes e a "bispa" Sônia Hernandes estavam cumprindo pena de 10 meses de detenção nos Estados Unidos, por terem entrado naquele país sem declarar a exata quantia de dinheiro que levavam.

Além dos vícios já apontados, o projeto de "Lei Geral das Religiões" contém outros absurdos. Um deles é o dispositivo que prevê que propriedades de uso religioso não poderão ser demolidas ou penhoradas, por causa de sua função social. Como os "supermercados da fé" cada vez mais vêm sendo instalados em galpões, garagens, cinemas e lojas, chamados de "templos", isso significa que esses imóveis não poderão ser desapropriados para obras de interesse público, o que representa uma interferência nas leis municipais e nos instrumentos de planejamento urbano estabelecidos pelos planos diretores das prefeituras. Razões de sobra tinha o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) - que votou contra a ratificação do acordo com o Vaticano e o projeto da "Lei Geral de Religiões" - para, ao advertir sobre esse risco, afirmar que "templo é dinheiro".

Vamos esperar que o Senado, que terá de dar seu voto sobre os dois projetos, aproveite essa oportunidade de merecer um aplauso da opinião pública.

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Presidente da AMB se manifesta contra concordata

Terra Notícias
27.08.2009 15:41
AMB: acordo Brasil x Vaticano é inconstitucional

Diego Salmen

Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, a aprovação do estatuto da Igreja Católica no Brasil é inconstitucional e fere a liberdade de religião no País.

- Quando você faz um acordo dando benefício a um segmento religioso em detrimento dos outros, você começa a desobedecer, a descumprir o texto constitucional.

A Câmara aprovou, nesta quarta-feira, 26, o estatuto da Igreja Católica no Brasil. O texto legisla, dentre outras coisas, sobre o ensino católico facultativo nas escolas públicas do país, e sobre a promoção de bens e propriedades da Igreja considerados "patrimônio artístico ou cultural" pelo Brasil. O tema suscitou questionamentos sobre o desrespeito ao caráter laico do Estado brasileiro.

No mesmo dia, os deputados regulamantaram o direito à liberdade religiosa, conforme previsto em projeto do deputado George Hilton (PP-MG) - uma tentativa de repassar às demais religiões às garantias e direitos do Estatuto do Vaticano.

Caso o tema seja aprovado pelo Senado e sancionado pelo presidente Lula, a entidade poderá recorrer na Justiça. "Vamos estudar se caberia, para o cumprimento da Constituição, um questionamento jurídico através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal", diz o presidente da AMB.

Confira a entrevista:

Terra Magazine - Como o senhor recebeu a aprovação do acordo entre Brasil e Vaticano?

Mozart Valadares - A nossa manifestacao contrária foi extraída da reunião de nosso órgão de direitos humanos com todas as entidades afiliadas à AMB. Nós não admitimos e não aceitamos que essa discussão seja transformada numa discussão religiosa ou ideológica. Não é isso. Eu inclusive sou católico praticante. A questão é a Constituição Federal. Nós não temos uma religião oficial. O constituinte não elegeu uma religião oficial para o Brasil...

Sim...
Ora, no nomento que você faz um acordo introduzindo a religião católica em escolas públicas, quando você faz um acordo dando benefício a um segmento religioso em detrimento dos outros, você começa a desobedecer, a descumprir o texto constitucional.

Na questão do ensino religioso, o acordo especifica que ele é facultativo. Isso não foge a essa questão constitucional?
O ensino não é obrigatório, mas se o Estado brasileiro colocou sua assinatura em um acordo com um segmento religioso é óbvio que isso é um privilégio, é óbvio que para introduzir isso em escolas públicas vai ficar muito mais fácil e as outras religiões não terão esse espaço em virtude de um não acordo, de um não reconhecimento desses pelo Estado. É a questão legal. Nada de preoconceito e discriminação. É com base nisso, no Estado laico, no Estado em que há liberdade religiosa e não há religião oficial, que a AMB se manifesta.

A Câmara também regulamentou o direito à liberdade religiosa, para contrabalancear o peso do Estatuto do Vaticano. Pode funcionar de alguma maneira, do ponto de vista constitucional?
Mas é desnecessário, porque a Constituição já diz que não pode haver qualquer discriminação e que a liberdade de expressão religiosa é ampla no país. Com o maior respeito a quem apresentou o projeto, mas ele está repetindo o que a Constituição já prega.

Um dos artigos do Estatuto diz que as partes irão promover bens e propriedades da Igrea que possam ser considerados "patrimônio cultural e artístico". Essa não pode ser uma brecha para a injeção de dinheiro público em reformas de igrejas?
É outro dispositivo que mostra uma clara tendência do acordo em privilegiar um segmento religioso no país. E isso, mais uma vez, fere o dispositivo constitucional.

Se fala em laicidade do Estado, mas a isenção tributária às igrejas já existia antes acordo. Isso não é um forma de privilégio?
Deveria ser abolido. Ou você trata os segmentos igualitariamente, ou você não pode dispensar um tratamento diferenciado não só à Igreja Católica, mas também a qualquer igreja.

O que pode ser feito do ponto de vista constitucional para reverter isso, caso a matéria seja aprovada em definitivo?
Aí vamos estudar e discutir com nossos órgãos deliberativos se caberia, para o cumprimento da Constituição, um questionamento jurídico através de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal.