quinta-feira, 16 de julho de 2009

Dep. Takayama apresenta voto em separado


COMISSÃO DE RELAÇÕES EXTERIORES E DE DEFESA NACIONAL
mensagem N0 134, DE 2009

Submete à consideração do Congresso Nacional o Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.
Autor: Poder Executivo
Relator: Deputado Bonifácio de Andrada



I - RELATÓRIO



Nosso País já adotou o Estado Confessional no período do Brasil - Colônia, de 1500 a 1824, e no Brasil - Império, de 1824 a 1891, quando a religião católica era oficial, como é ainda hoje em lugares como a Argentina, ou na Inglaterra onde a religião Anglicana é oficial, e em países Islâmicos, os quais consideram a opção religiosa até para efeitos de cargos no serviço público, ou em Estados onde se vive o Ateísmo como ideologia oficial.

O princípio da Separação Igreja-Estado, vigente em nosso sistema constitucional desde 1891, e mantido na Carta Magna de 1988, que fundamenta o Estado Laico, ou seja, o Estado sem religião oficial, é uma das maiores conquistas da humanidade, eis que este tipo de construção jurídica, que nosso país herdou da visão francesa, “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, é exatamente o meio termo, entre o Estado Ateu e o Estado Confessional.


No Estado Ateu impõe-se que a religião deve ser negada e perseguida pelos órgãos oficiais, numa visão unicamente materialista da vida, e com proibições para que os cidadãos possam expressar sua fé de forma pública, na perspectiva de que Deus é uma criação da mente humana e deve ser apagada das esferas sociais, sendo que as pessoas incentivadas a buscar o relacionamento numa ótica tão somente humanística e existencial.

Já no Estado Confessional há uma espécie de confusão entre os órgãos da administração pública, os poderes executivo, legislativo e judiciário, que são as representações do Estado, e uma determinada religião, sendo esta a religião oficial, pelo que deve ser obrigatoriamente seguida por todos os cidadãos, sendo proibida a opção por qualquer manifestação espiritual que não seja aquela que é professada pelo Governo, para todos os efeitos legais.

Desta forma, o Estado Laico é o que proporciona o equilíbrio do exercício de fé entre os cidadãos, seja porque não consegue ou proíbe qualquer manifestação religiosa, seja porque não adota oficialmente através de seus órgãos representativos qualquer opção espiritual em detrimento das demais, ao contrário, com base na Constituição Federal de 1988 é dever do Estado proteger todas as confissões religiosas, inclusive cidadãos ateus e agnósticos.

Por isso, a conquista deste Estado Laico, em nível constitucional, apesar de todas as suas imperfeições, especialmente na manutenção dos diversos feriados religiosos, e ainda, na tolerância de símbolos místicos em prédios e repartições públicas, é um marco legal que não deve ser flexibilizado de forma alguma, exatamente porque ele é a garantia jurídica da convivência pacífica entre religiosos brasileiros de todos os matizes de fé.


A Constituição Federal de 1988 é peremptória em seu artigo 19, “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – Estabelecer cultos religiosos, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;[...], e sobretudo no artigo 5º - Cláusula Pétrea – incisos VI, VII e VIII.

Este Acordo se aprovado pelo órgão que a Constituição em seu artigo 84, inciso VIII, concede poderes específicos para homologá-lo, anulará de forma definitiva o Princípio da Igualdade constitucional das religiões em nosso País, eis que todas as confissões de fé, independente do histórico, quantidade de seguidores, poderio econômico, tamanho do patrimônio etc., são igualadas pelas normas legais, e ameaça de forma objetiva o princípio constitucional da Separação Igreja-Estado, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

Se o Congresso Nacional ratificar este Novo Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, restará tão somente as lideranças religiosas impetrar uma ADI – Ação Declaratória de Inconstitucionalidade do Acordo Jurídico junto ao Supremo Tribunal Federal, o qual é o único órgão que poderá manter o princípio da Separação Constitucional Igreja-Estado, resguardando a Laicidade do Estado brasileiro conquistado na Constituição Republicana de 1891.

Quanto ao Art. 20 do Acordo, o Deputado André Zacharow solicitou a Consultoria Legislativa desta Casa um parecer à respeito, o qual transcrevo abaixo:
“Procedi a extensa pesquisa a respeito do “Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé sobre Assistência Religiosa às Forças Armadas, de 23 de outubro de 1989, nomeadamente, quanto à sua promulgação e validade no ordenamento jurídico brasileiro. Como resultado, tenho a lhe informar que, com base nos instrumentos de pesquisa disponíveis, não logramos localizar qualquer instrumento legal que haja promulgado o referido instrumento internacional no Brasil (no caso, seria cabível, um decreto presidencial de promulgação). Tampouco o ato em questão foi submetido à apreciação do Congresso Nacional, segundo resulta do levantamento a que procedemos. Sendo assim, o ato internacional em questão, segundo nossa opinião, s.m.j., não se encontra em vigor no plano da ordem jurídica pátria”.

Segundo o Professor Dr. Fúlvio Eduardo Fonseca do Instituto de Relações Internacionais da UnB – Universidade de Brasília: “assinar um acordo com Santa Sé, leia-se Igreja Católica, não representa tratamento equitativo para com as outras instituições, mas ao contrário, alça o catolicismo a uma posição de superioridade fase as demais confissões religiosas. Diferentemente do que pretende o relator, o acordo em exame fere o art.19 da Constituição Federal que afirma ser ‘vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-las, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança.’ O mesmo artigo proíbe ‘criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”

Ainda citando o Dr. Fúlvio: “O relator proclama a necessidade e o interesse das partes, mas não esclarece objetivamente qual a necessidade do Brasil em ratificar um acordo como esse e tampouco interesse do País em privilegiar uma religião em detrimento das outras”.

Fica claro que o relator reconhece de forma inequívoca que o tratado foi firmado entre a Igreja Católica (representada pela Santa Sé), que é vedado pela Carta Constitucional.

“O relator não oferece dados que confirmem uma hipotética estagnação e despreparo do Brasil pra lidar com o fenômeno religioso. Segundo, o alegado despreparo certamente não se deu pela inexistência de uma Concordata e, com é óbvio, se a mesma for ratificada estaremos instituindo duas religiões – Católica e as Outras. Terceiro, é justamente pelo fato do Brasil ser uma nação religiosa, cuja o território abriga não apenas o maior número de católicos no mundo, mas também o maior número de evangélicos do mundo, o maior número de espíritas do mundo, o maior número de umbandista do mundo e uma considerável população agnóstica, cética e atéia que o Estado brasileiro deve abster-se de contrair laços diferenciados e especiais com a Igreja Católica. Lembrando novamente, é tecnicamente impossível a realização de acordos como esse com qualquer outra confissão religiosa, de forma que isso consistiria em privilégio injustificável concedido ao catolicismo. O relator afirma que a Concordata auxilia umas das parcelas de crentes da população brasileira a praticar a sua fé, o que não deixa de ser uma proposição correta – o instrumento dirigi-se e beneficia apenas uma parcela da população brasileira, sendo por essa razão ( por criar distinções entre brasileiros), flagrantemente inconstitucional”, afirma Dr. Fúlvio Eduardo Fonseca.




II – VOTO


Destacamos, em primeiro lugar, o parecer do ilustre Relator, Deputado Bonifácio de Andrada, pela sua erudição, acuidade e proficiência. Discordamos, entretanto, de suas considerações e conclusões.
Consideramos que esta douta Comissão não pode negar a flagrante inconstitucionalidade a qual será cometida caso o presente Acordo seja aprovado. Ora, estabelece o artigo 19 da Constituição:

É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

Depreende-se, do artigo transcrito acima, que o Estado brasileiro se pretende laico e, como tal, não pode estabelecer acordo com igrejas de qualquer ordem. De fato, é pela garantia da inexistência de uma religião oficial que se afasta qualquer possibilidade de interferência da religiosidade nas decisões do Estado, princípio esse que será quebrado com a ratificação do presente Acordo.
A alegação do “Estado Soberano” que seria a Santa Sé, para nossa Constituição não serve, porque há a proteção estabelecida ao estabelecer a CF “ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”. Ou seja, neste caso, a Santa Sé pode ser compreendida como “representante da Igreja Católica”, e o acordo como uma “aliança”, o que é dito pelo próprio Relator Bonifácio de Andrada que, na página 23 de seu Parecer, afirma: “O acordo do Brasil com a Santa Sé é um tipo de aliança jurídico-religiosa”.
O Brasil não conta com um único acordo internacional tão amplo quanto este. Basta analisar o grande número de acordos que o Brasil tem com Estados Unidos, França, Espanha, Alemanha, Inglaterra e outros países com os quais são intensas as relações de colaboração – diversos acordos, de natureza vária, para atender as necessidades de colaboração, sem imposição mútua ou cristalização de posições.
A alegação de que o Brasil já assinou tratado com teocracias como o Irã não pode ser utilizada para justificar esse acordo, porque o Brasil não assinou com o Irã o reconhecimento do Alcorão como livro-fonte da cidadania (que por exemplo poderia, nesse caso, permitir apedrejar mulheres ou cortar mãos de ladrões), embora nesse acordo com a Santa Sé explicitamente reconheça o direito canônico, o mesmo que gerou, por sua negação, a Reforma de Lutero e todos os eventos políticos a partir de então. Ainda, o que o Brasil assinou com o Irã é de interesse comercial, para os quais não importa serem seus Estados vinculados ou não a religião.
No campo das relações internacionais, cumpre enfatizar que o Acordo ora sob análise poderá causar empecilhos ao Brasil. Ele cria incentivos para que outros países que acreditem na separação entre Igreja e Estado desconfiem tanto do laicismo brasileiro quanto da nossa capacidade de garantir a liberdade religiosa. Estabelece-se, com a assinatura do Acordo, uma imagem internacional de preferência pela religião católica.
Nesses termos, nosso voto é pela rejeição do Acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, assinado na Cidade-Estado do Vaticano, em 13 de novembro de 2008.

Sala da Comissão , em de de 2009.
Deputado Takayama

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