sexta-feira, 10 de julho de 2009

Brasil: Estado laico ou concordatário?

Texto de Luiz Antônio Cunha, coordenador do Observatório da Laicidade do Estado (UFRJ). Publicado originalmente no site da Comissão de Cidadania e Reprodução, resultado do ciclo de debates "Democracia, Estado Laico e Direitos Humanos".
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BRASIL: LAICO OU CONCORDATÁRIO ?

Se alguém perguntar: o Brasil é um Estado laico? Eu diria: - Não. O Brasil nunca foi um Estado laico, pois ele é um Estado concordatário. Até o dia 13 de novembro de 2008 era, implicitamente, concordatário. A partir desta data, assume, explicitamente, essa condição. E, por que, implicitamente, concordatário? Porque o Brasil tinha legislações que não tinham o nome de concordata, nem de acordo com o Vaticano, mas que privilegiam, explicitamente, a igreja católica, nem igrejas cristãs, mas a igreja católica.

Há um dispositivo legal, que não está na Constituição brasileira, explicitamente, que trata do laudêmio, que é um estatuto do direito medieval, que significa a propriedade de um terreno ou de um imóvel, para além da propriedade individual. Há três sujeitos de laudêmio no Brasil: a Marinha de Guerra, com os terrenos da costa ; a família imperial; ea igreja católica nas cidades mais antigas do Brasil, como nos distritos centrais de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Recife, por exemplo. O que significa o laudêmio? Se alguém é proprietário de um terreno ou de uma casa e vendo um desses imóvies, deve à municipalidade o imposto de transmissão, que está na ordem de 2,5% ou 3%; mas, se o imóvel está sujeito ao laudêmio, a pessoa que comprar o terreno deverá também ao titular desse direito arcaico, o dobrodo imposto de transmissão.

Além disto, o comprador deverá pagar, anualmente, uma determinada quantia. Isto é uma fonte de renda muito importante, garantida pelo Estado. Não está na Constituição brasileira, mas é direito líquido e certo. Ninguém pode deixar de recolher este recurso.É impossível calcular, do ponto de vista prático, qual é o valor desse privilégio que o Estado brasileiro garante à igreja católica. Há outros exemplos, que não serão citados neste momento. Este já é suficiente para mostrar que o Estado brasileiro, parcialmente republicano, sempre foi, a despeito do que aparecia na Constituição, um Estado concordatário.

A partir da Concordata firmada com o Vaticano, em fins de 2008, o Estado Brasileiro é manifestadamente concordatário. Trata-se de um acordo entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé que prescreve, não os interesses comuns, masapenas os interesses da igreja católica no Brasil.

De uma maneira geral, os itens da Concordata brasileira são os mesmos da concordata firmada com o governo de Portugal com a Santa Sé. Parece que é como se houvesse uma espécie de modelito prévio a ser adaptado a cada caso.

Por exemplo, entre os artigos da Concordata brasileira há uma abordagem que envolvem questões trabalhistas com os quadros da igreja católica. Vale ressaltar que este ponto não está presente na concordata de Portugal. Sobre o ensino religioso, diz sobre o direito dos jovens portugueses terem o ensino da religião e moral católicas na escola. Não fala dos outros credos, na concordata portuguesa. No Brasil, ela tem formato que parece misturar um pouco da legislação civil brasileira. Mas, sobre as questões trabalhistas, a Concordata separa os quadros da igreja de todos os demais da legislação trabalhista brasileira e da justiça do trabalho. Ela retira de seu âmbito todos os casos de petições de reivindicações de direitos para sacerdotes, irmãos, leigos e freiras, enfim do pessoal da igreja católica. A concordata estabelece que seu trabalho é necessariamente voluntário. Isto é incrível porque o que está acontecendo é que gente que trabalha para a igreja católica durante décadas e depois vai à justiça do trabalho e busca reivindicar direitos, vai encontrá-la legalmente impedida.

A clarificação deste ponto apareceu num jornal no Rio de Janeiro, O Globo. Um pequeno artigo publicado no dia seguinte ao da aprovação da concordata, assinado por um Juiz do Superior Tribunal do Trabalho, aliás, um militante direitista e criminizador do aborto, Ives Granda, dizia que, finalmente, essa ambigüidade foi retirada da legislação brasileira.

A concordata prevê, também, que a anulação de um casamento na instância religiosa, passa a ter reconhecimento civil.

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